Gestações - Reflexões críticas sobre a pesquisa feminista

Limites e filiações

December 5, 2023 

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Tive o prazer de ser convidada para uma imersão no Institute of Advanced Studies da Loughborough University para compartilhar reflexões sobre minha pesquisa histórica e dialogar com pesquisadoras e ativistas de outras área que, entre muitas atividades, também hospedou o evento Gestations: Bodies, Technologies, Ecologies, Justice . O encontro discutiu as complexidades de entender o gestar e as implicações políticas que vão muito além desse processo corpóreo.

Como historiadora de temas relacionados à reprodução — e tendo escrito minha dissertação sobre a história do aborto induzido por indicação médica para salvar a vida da mulher — algo que aprendi neste evento é o quanto ainda precisamos discutir sobre o aborto espontâneo. Existe um receio real, dentro do movimento feminista, de reconhecer o luto das pessoas que perdem uma gestação, por medo de que isso implique em reconhecer uma certa “vida” do embrião ou feto — e, no limite, acabar apoiando movimentos que constragem as decisões reprodutivas individuais. Fui muito, muito confrontada com isso nesta semana, e pude reconhecer minhas próprias limitações.

Hoje, vi a poeta e acadêmica Tamarin Norwood ler um poema que escreveu para seu filho, Gabriel — um bebê que, desde o quinto mês de gestação, já estava fadado a não resistir após o nascimento. Ela publicou a obra The Song of the Whole Wide World: On Grief, Motherhood and Poetry com diferentes poemas e seus relatos ao conviver com essa expectativa de vida e morte. Seus pulmões não se desenvolveram, e a única forma de ele respirar era pelo corpo de sua mãe.

O poema me fez chorar. A mãe escreveu sobre sua fantasia de se jogar no mar e viver com seu filho no oceano, onde ele poderia talvez se transformar em um peixinho e então respirar — mesmo à custa de sua própria morte, o que para ela seria apenas um detalhe. Ela queria poder garantir que ele continuasse respirando, do único jeito possível, de qualquer jeito.

Na minha produção, sempre tentei evitar escrever “mãe”, “filho”, “bebê” e até mesmo “mulher”, tanto para não me impor, quanto para sugerir uma agenda feminista à qual me filio. Mas agora tenho sido confrontada com a complexidade da reprodução, da vida, da morte — e dos compromissos com uma prática filógina. Se é preciso criar um mundo que ame as mulheres, também é fundamental defender o direito de escolha e o direito ao luto por aqueles filhos desejados que não puderam vir a nascer.

É tanta coisa pra pensar…

uma calçada de pedras rodeada por árvores com as folhas já secas, pôr-do-sol

Foto que tirei na Universidade de Loughborough no outono de 2023